domingo, dezembro 17, 2006
Mundo a parte
É impressionante, mas tem gente que trata bicho como gente. Até melhor. E tem gente que vive numa ilha como essa senhora, cujo dinheiro em excesso reverte-se em excentricidades como essas. Coisa de quem literalmente não tem o que fazer. E leva uma vida medíocre sem se dar conta...
De vez em quando recebo e-mails de pessoas que protegem animais. Até aí tudo bem, a intenção é boa. O problema é que são mensagens desesperadas, do tipo "salvem esse neném". O neném não é um dos tantos que vivem nas ruas, em baixo de viadutos ou em casas de papelão. Não são esses nenéns que pertubam essas pessoas. São os cachorros de rua, que vão "virar sabão" e não os meninos de rua que talvez não passem nunca da infância...
Isso me faz lembrar aquela música do Eduardo Dusek: "troque seu cachorro por uma criança pobre".... É isso!
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Cegueira
sábado, dezembro 09, 2006
Mudança
Quando a gente muda, dá vontade de ter pouca coisa. Dá vontade de desapegar-se. Ficar mais leve. É difícil saber o limite entre aquilo que realmente não precisamos e aquilo, que mesmo sem precisar, nos dão certo conforto emocional.
Uma poltrona, por exemplo, não é apenas uma poltrona gasta. É a poltrona onde amamentei a Bia.
Eu já me desfiz de muita coisa e tenho medo de ser negligente com minha história. Eu gostaria de ter desenhos, agendas de escolas, poesias que eu escrevia quando criança. Não sobrou nada para contar minha história de criança, um brinquedo sequer. Por isso, estou guardando os desenhos e a história escolar de minha filha...
Já me desfiz de muita coisa...a maioria dos meus discos em vinil, doei muita coisa que ainda gostaria de guardar, como livros e roupinhas de bebê porque achava que eles deveriam melhor utilidade do que alimentar os meus vínculos emocionais.
Enfim, mudar é bom, mas também é um árduo exercício de reencontrar o passado e livrar-se dele...
quarta-feira, outubro 18, 2006
Mãe zelosa
Acabo de ler o livro Dois Irmãos, do Milton Hatoum. E o que mais me marcou no livro foi a personagem Zana, mãe dos gêmeos. Ela elegeu um dos filhos como o preferido. Fez tudo por ele, num jogo emocional que aprisiona, impede uma criança de desenvolver o seu emocional, romper os laços com a mãe para crescer, viver. Tudo, em nome desse amor, ela fez para manter o filho por perto. Um sentimento destruidor. Não só esse filho, como o outro, e a filha, e o marido, o neto – todos os destinos foram profundamente alterados por esse excesso.
Acho, sinceramente, que nada pode ser pior para uma criança do que uma mãe zelosa. Meu conceito de boa mãe exclui as muito cuidadosas. Acho que filho precisa de espaço para experimentar, para se desenvolver, pra fazer a transição necessária, para matar a mãe e poder crescer. Acho que foi Freud quem disse isso. Quando minha filha me questiona, me critica, faço meu papel de mãe, mas no íntimo fico orgulhosa. E admiro sua coragem, sua auto-confiança e fico feliz, porque reconheço um dedo meu nessa personalidade independente e segura.
Conheço vários exemplos do estrago de uma mãe zelosa. Um jovem com problemas em relação a sua sexualidade, uma que tornou-se obesa porque a mãe, desde que ela era bebê, delira que a menina come pouco e a entope de comida...entre outros.
Se tem alguém que pode causar um estrago na vida de um filho é a mãe. E creio que tão danoso quanto a ausência materna é o excesso.
segunda-feira, outubro 16, 2006
Rugas
Jovens costumam ser idealistas, inocentes. Querem transformar o mundo. São solidários. Românticos. Só a esquerda permitia cultivar essa utopia.
Mas o tempo passa. A vida endurece. Perde a leveza. A crença na imortalidade acaba. Coisas bem mais “práticas” dominam a pauta. Trabalho, casamento, filhos. Sobrevivência. É o fim da ilusão.
Tenho lido blogs de amigos, ex militantes do movimento estudantil, ex-eleitores de carteirinha do PT e afins, defenderem veementemente o anti-lulismo. Tão apaixonadamente como nos tempos em que eram cabos eleitorais do presidente.
Não acho que foram os dólares na cueca e outros escândalos que provocaram essa mudança. Acho que ela aconteceria de qualquer jeito, tão naturalmente e certeira quanto os fios brancos e as rugas.
segunda-feira, outubro 09, 2006
Santa missa
Droga de cada dia
sexta-feira, outubro 06, 2006
Insensibilidade
Por medo, desconcerto, a gente perde a sensibilidade. Outro dia cara me intimidou. Bateu olho no meu anel e ficou dizendo coisas do tipo "que anel lindo", "o maridão tá podendo" etc etc etc.
Mas hoje eu me senti muito mal dando aquela nota de um real. Talvez um sorriso sincero teria tido mais valia para o sujeito. Detesto falta de sensibilidade. Sobretudo a minha.
quarta-feira, outubro 04, 2006
Hora marcada
A pessoa é para o que nasce
Ausência
domingo, setembro 17, 2006
Os sentidos
sexta-feira, agosto 25, 2006
tec tec tec tec
Respirei. Que delícia...
O que mais almejo quando tenho tempo é continuar tendo tempo...por isso ele passa...passa...e ando devagar...aproveitando minutos que se perdem inutilmente. Sou um lagarto no sol teclando. Uma “xicrona” de café do lado. E me sinto mansamente feliz. Ainda tenho sono. Mas não importa. Eu hoje só quero sentir a beleza de estar viva.
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Tec tec tec
Tenho do meu lado um espelhinho de mesa. Ele está virado para as minhas mãos. Acho uma imagem bonita.Dedos teclando. Outro dia senti saudade das máquinas de escrever. Como era mágico aquele teclar duro, imprimindo pensamento no papel. Não era rápido como hoje. Os pensamentos não vazavam pelos dedos porque não podíamos errar. Senão lá ia para o lixo mais uma lauda. E tínhamos que recomeçar tudo de novo...
Como fui tola por não prever que as máquinas de escrever sumiriam do mercado...Por que não guardei a minha? Sinto saudade. Como seria hoje escrever, ou melhor, datilografar um conto? Achei romântico. Queria ter de volta um máquina de escrever...
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½....
Estou naquele momento em que regime é quase uma impossibilidade física. Como não devorar um chocolate ou pão de queijo no meio do furacão? Antes, bastava um, dois dias de boca fechada e pronto: a cinturinha voltava. Hoje não. Para perder os excessos teria que fazer uma séria dieta, com caminhadas e exercícios diários. E é engraçado como a gente cria mecanismos para se enganar. Eu vivo pegado primeiro uma metadinha: metadinha de pão, de doce, de orelha de gato (que aqui chamam de vira cueca, um nome esquisitão como esse, não sei) – só pra depois pegar a outra metadinha também, e mais outra, mais outra. Outro dia vi minha amiga fazendo o mesmo...Mulheres são todas iguais?
Orquestra
Gostei da metáfora ontem no curso do Castello: sou um músico ou maestro? Bem que tento reger minha vida, minha paixão pelo texto, mas acho que ainda sou um músico iniciante...Não acho isso ruim não. Porque quanto mais aprendo, mais quero aprender e mais sinto que tenho aprender. E não é conversa não. Humildade disfarçada. É constatação. E prazerosa. Porque saí de um estado morno para uma vibrante jornada de conhecimento. E isso é tudo muito fascinante. Reconheço sim o tamanho de minha ignorância e isso não me entristece, pelo contrário, me motiva. Ao mesmo tempo também reconheço o tamanho de minha determinação. É um bom caminho, o melhor que já segui.
domingo, agosto 20, 2006
Mister Sun
Ontem a noite peguei um DVD infantil. Uma animação francesa chamada Príncipes e Princesas. São várias estórias. Nada de grandes recursos. Elas são contadas através de sombras. É MUITO INTERESSANTE. Mostra às crianças como surge uma estória: os redatores, discutindo personsagens, enredo, pesquisando. Eles próprios são transportados para o filme. E as estórias, cheias de lirismo, encantadoras. Vale apena assistir. Sejam crianças pequenas ou adultas......
sexta-feira, agosto 18, 2006
O incêndio
O banheiro
Pois nessa casa de jornalistas o banheiro resiste. Penso que já foi muito chique. Minha amiga disse que era chamado "sala de banho". Nada a ver com esses cúbilos atuais onde mal cabem a privada e o box. O bidê foi substituído pela duchas higiênicas. E é tudo muito "clean". Os azulejos coloridos ou decorados caíram em desuso. São mesmo como peças de museus. Mas curiosamente eu fiquei feliz em entrar num banheiro assim. Penso que frequentá-lo é um acontecimento.
Vou ver se arrumo uma máquina e ponho aqui uma foto.
Chuva
Hoje chove. E chove muito. E isso me entristece. Fico deprimida nos dias cinzentos. Com chuva tudo fica ainda mais triste...Dá vontade de voltar para cama e dormir o dia inteiro. Só acordar amanhã, com a esperança de um belo sol bantendo na janela do quarto...
terça-feira, agosto 15, 2006
Tempo
segunda-feira, agosto 14, 2006
Langanha
Não
Desde que eu me entendo por mulher – e era ainda bem menina quando percebi isso – vejo mulheres a minha volta fazendo todo tipo de concessão. Em maior ou menor escala. E curioso que o oposto disso é uma dureza, uma frieza igualmente inaceitável. Algumas mulheres, por horror à submissão, tornam-se inflexíveis, arrogantes, insensíveis e ferem profundamente a essência feminina. Ficam escravas no NÃO.
Mulheres não devem agir como homens. Acho apenas que elas devem aprender a dizer NÃO, sempre que tiverem vontade, sempre que for necessário. Apenas isso.
domingo, agosto 13, 2006
Alienação
Eu não cheguei a esse estágio, mas já assinei dois jornais, aquela famosa revista semanal, e não perdia os principais telejornais – locais e nacionais. E também zapeava pelos noticiários da tv a cabo. Isso sem contar a tal revista eletrônica de domingo, aquela que se você não assiste fica com ar de desinformado nos bate-papos da segundona braba...
Eu devorava essa quantidade absurda de informação por dia porque achava que era meu dever não só de ofício, mas de cidadã. Acontece que de uns tempos para cá tudo isso começou a me parecer demasiadamente masoquista e inútil.
Não quero mais sofrer com as guerras que não posso impedir. Com a corrupção que já corroeu minha última esperança na classe política. Com a menina calculista que matou os pais. Com a violência que não tem fim porque tem origem nos problemas sociais.
Notícias, hoje, só as que de fato interessem a minha vida. O resto, passo batido. Economizo tempo para os livros, pesquisas, música e outros pequenos prazeres. Não quero mais viver, ou melhor, sofrer essa angústia impingida ao homem moderno pelo bombardeio de informações.
Cada vez mais entendo e prezo o silêncio. Seria isso alienação? Estou convencida que não...
sexta-feira, agosto 04, 2006
Silêncio
Volto daqui a uma semana.
quinta-feira, agosto 03, 2006
Sobre escrever
quarta-feira, agosto 02, 2006
Linguiças
segunda-feira, julho 31, 2006
Menina do Lago Igapó
Nuvens vermelhas no céu
Na terra silêncio, uma ave voava
O rádio anunciava a ave-maria
E dava uma saudade
Uma tristeza estranha
Uma vontade de chorar
Uma vontade de chorarAi, ai…
E a noite descia tranqüila
E a noite envolvia Londrina
Olha quanta luz no céu
Olha um avião voando sozinho
Sobre o perobal
E a sanfona tocava uma valsa triste
E a cabocla de flor nos cabelos
Cantava pra lua.
Fui embora de Londrina há cinco anos. Triste. Em Maringá também fui feliz. Depois em Curitiba. Não pensei mais na UEL, no Valentino, no Zerão, no Ouro Verde, no Moringão, no Lago Igapó. Lembranças docemente apagadas. E agora, a primeira coisa que lembrei foi a música do Arrigo, na voz da Tetê Espíndola. E as poucos sinto Londrina renascendo em mim. Lembro daquele show do Itamar Assunção na Concha Acústica. Lembro da menina chegando aos 17 anos na rodoviária fria, projeto desfigurado do Oscar Nyemeyer. Lembro da arquitetura de Artigas. Da rodoviária antiga que hoje é museu. Da vitamina com pastel da rua Sergipe. Do suco da rodoviária nova. Do arroz de puta do Toninho. Do macarrão do Valentino. Do sashimi do Madalena. Da casinha na Raja Gabaglia. Da Uel onde conheci o Marcelo, onde me formei. Do igreja na rua Maringá onde me casei. Do Hospital Evangélico onde a Bia nasceu. Do JL lá na Higienópolis. Da picanha do Casarão. Do peixe na telha do Espanhol. Do Rodeio perto do centro. Do Gato que Ri. Da batidinha do baiano. Do calçadão. Do DCE perto do Bar Brasil. E não pararia de lembrar. Porque vivi uma vida lá. E vou pensando nos amigos que quero abraçar. E vou percebendo que nunca deixei de amar Londrina...
domingo, julho 30, 2006
Que cachorrada
Quinta-feira, na oficina literária, o José Castello disse que o escritor tem aquele momento de suspensão. Aquela busca, aquela procura por algo que já está dentro dele, mas ele ainda não encontrou. Falou de um amigo que costuma andar pela sala, horas a fio, até encontrar sobre o que escrever.
Estava eu aqui, no meu momento suspensão. Sabe quando você sente necessidade?. Acha que está inspirada? Mas o Petruchio – acreditem, esse é o nome do cachorro do vizinho – resolveu que era dia dele soltar o verb0.
sexta-feira, julho 28, 2006
Português
Dias atrás perguntamos ao professor de inglês, casado com uma professora de inglês, como eles se comunicam em casa: “em inglês”, respondeu. Mas na hora de brigar, ele disse, os palavrões vêm em português mesmo. Explicou que ao lidar com o emocional a língua mãe prevalece.
Pra mim ela vai prevalecer, sempre. Daí minha dificuldade em conseguir fluência em inglês. É difícil não pensar em português já que para mim pensar e sentir são quase a mesma coisa...
Sapatos
mal amada
Conheço algumas.
Haja habilidade para lidar com elas.
Não podem ver um sujeito alegre, leve, como se diz em inglês: easygoing...aquele cara que não estressa e pronto, pegam pra Cristo o pobre rapaz. Para elas o mundo é cinza e ai de quem não os enxerga assim. Outro alvo das mal amadas são as mulheres felizes. Aquelas que se arrumam para seus homens, o que não pode ferir mais a alma de uma mal amada – que usa o feminismo como escudo de uma frustração.
Afinal, enquanto uma mal amada revira-se na cama e noites solitárias a outra, a feliz, dorme rendida pelo prazer. Se não fez amor, dormiu abraçada. E mesmo se brigou, dormiu bunda a bunda, e sabe que a reconciliação se dará na cama mesmo.
E não confundo aqui a mal amada com a solitária por opção.
A mal amada pode até ser casada. Não importa. Ela é infeliz por natureza. O marido que não percebeu isso antes do casamento, certamente deixou de amá-la logo depois. Porque esse é o destino delas. Não ser amada.
terça-feira, julho 18, 2006
vida monástica
Entramos na capela, rústica, paredes de pedra, chão de pedra. Arredondada, mas com quatro cantos por onde entra luz. Nós, os visitantes, entramos por uma porta e nos ajeitamos nas poucas cadeiras disponíveis para os que são de fora. Cinco horas e quinze minutos, pontualmente, hora em que o dia começa a se despedir, os monges começam a entrar por outra porta, do lado oposto ao que estamos sentados. Vêm encapuzados. Em poucos minutos a imagem assustadora – culpa do Dan Brown – se desfaz. Eles têm o semblante sereno, a maioria é bem jovem.
Dividem-se. Cada metade senta em um lado da capela, nas cadeiras especiais. Ao meio fica um espaço onde alternadamente, um pequeno grupo junta-se ao monge que conduz as orações, a cada novo cântico. Todas as orações são cantadas, em canto gregoriano, para nossa alegria traduzidos. É tudo muito emocionante.
Terminado o ritual, os monges apagam as velas e as luzes. Ficamos no mais absoluto silêncio dentro da capela. Tempo de meditar, de rezar, de refletir. Tempo de voltar-se apenas para o próprio interior, sem nenhuma interferência interna.
O celular de um casal toca atrás de nós. A mulher não sabe como desligar o aparelho e dá até para ouvir o sujeito na outra linha: Alô, alô, Manuel!. É um constrangimento muito pior do que o de um celular no meio de uma peça de teatro. O casal atrapalhado não suporta tanto silêncio. Estavam ali tão desavisados quanto nós. A diferença é que nós decidimos – mesmo sem combinar – manter o nosso espírito aberto àquela experiência.
Saímos de lá em alfa, em paz, em êxtase. E com uma felicidade tão plena, tão simples. Nada de euforia. Um sentimento semelhante ao amor.
Sinais
Antes de abrir o tal e-mail eu estava justamente a refletir sobre o sentido da vida, a morte, a fé. Eu estava pedindo respostas.
Alguns dias depois lá estava eu, no mosteiro, encontrando não as respostas para o que existe além da vida, mas algo muito mais revelador: o sentido dessa vida. Não é algo que se possa descrever. Porque é algo que se experimenta. E isso depende do desejo íntimo de cada pessoa. E percebi claramente o quanto a gente precisa de silêncio para chegar a um estado mais profundo de reflexão, de comunhão com Deus (qualquer que seja a sua crença...).
Pequenos prazeres
Duas crianças a se divertir. E o que tínhamos de cenário? Uma cidade com uma praça e igreja matriz no centro. Um calorzinho humano que nos fez um bem danado...
Às vezes, Clarice....
Nesse momento estou encarnada em Clarice Lispector. Não tenho culpa se desde pequena, quando devoro um livro muito prazeroso, os personagens passam a existir em mim. Subtraem minha personalidade para que eu possa sentir como eles, respirar como eles, amar como eles, sofrer como eles. Fui Polyana lá pelos 8 anos: fingia uma felicidade impossível, uma alegria forjada na tristeza. Na raiva. Nas decepções. Devia ter uns 12 quando virei Clarrisa, a professorinha romântica da trilogia de Érico Veríssimo – Clarrisa, Música ao Longe, Saga - a sonhar com o primo Vasco, criatura incompreendida. Fui também as fulaninhas de Nélson Rodrigues quando descobri A Vida Como Ela É....
E agora, sou Clarice. E isso nada tem a ver com a minha pretensão literária o que certamente soaria como uma pretensão de minha parte. É que estou lendo o livro A Descoberta do Mundo, coletânea de crônicas que ela escreveu para o Jornal do Brasil de 1967 a 1973. E como ela é a principal personagem, não tenho outra alternativa senão nela me encarnar...Sinto sua solidão, sua angústia, sua paixão, sua insegurança, seu medo. Não como sentimentos exteriores. Não como observadora. Sinto-os em mim. Impregnados. Se esta tela fosse um espelho eu veria o rosto dela, e não o meu.
Eis ao que ler a biografia de Clarice no site Releituras (quem não conhece deve acessar correndo porque é muito interessante) e encontro a explicação para essa encarnação em Clarice: “segundo estudos feitos por Claire Varin, professora de literatura canadense ( ela escreveu dois livros sobre Clarice) só é possível ler Clarice tomando seu lugar — sendo Clarice. "Não há outro caminho", ela garante. Para corroborar sua tese, Claire cita um trecho da crônica A descoberta do mundo (olha ele aí, o meu livro de cabeceira...), onde a escritora diz: "O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor."
Isso quer dizer que eu não sou única Clarice por aí....Nesse mesmo instante, algum estudante, professor, jornalista, escritor, curioso deve estar engavetando sua personalidade para que a Clarice continue existindo....
Na crônica As Três Experiências, Clarice fala que há três coisas para as quais nasceu: “nasci para amar os outros, nasci para escrever e nasci para criar meus filhos”. Bingo. Nasci para essas coisas também! Eis, de novo, a Clarice encarnada em mim....E no final do texto ela diz o seguinte: “Se é verdade que existe uma reencarnação, a vida que eu levo agora não é propriamente minha: uma alma me foi dada ao corpo. Eu quero renascer sempre. E na próxima encarnação vou ler meus livros como uma leitora comum e interessada, e não saberei que nessa encarnação fui eu que os escrevi”.
Faço as contas: Clarice morreu em 1977. Mas eu nasci em 1972.
Não, infelizmente não posso ser a Clarice....