segunda-feira, outubro 09, 2006

Droga de cada dia

Ela esfrega sua miséria na cara dos bem nascidos. Arrasta-se suja pelas ruas, desdentada. Babando, literalmente. Xinga quem não lhe dá ouvidos, os que negam umas moedas para alimentar seu vício. Não deve ter famílias. Um barraco, um teto de papelão que seja. Um lugar para onde voltar depois da mendicância diária. Deve dormir na rua. Como tantos os que se ajeitam embaixo das marquises na Avenida Sete de Setembro. Nas frias madrugadas de Curitiba. Gente embaixo de jornais. De ralos cobertores. Gente ao relento. Um dia aqui, outro ali. Andarilhos desgarrados. Expatriados na própria pátria. Serão enterrados como indigentes. Ninguém se lembrará deles. Ninguém sequer os enxerga agora. Mas ela não. Ela não se faz invisível. Ela arreganha sua boca bangela e sua baba. Vocifera contra os que lhe dão as costas. Despeja sua raiva. Sua indignação. Ganha menos moedas dos que os outros, aqueles que poderiam-estar-roubando-mas-estão-pedindo (ou trabalhando)-no-semáforo. Ou ainda aqueles que distribuem amarelados papéizinhos resumindo sua miséria. Aqueles que trazem bebezinhos no colo para sensibilizar - ou culpar - os sortudos. Ela não. Já não espera piedade alheia. Simplesmente exige o que julga ter direito: uns trocados para comprar a droga de cada dia.

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