domingo, dezembro 17, 2006

Mundo a parte

Estávamos num agradável restaurante com mesas no jardim, à sombra de árvores, quando ela apareceu. Sabe uma típia perua na faixa dos 60? Topete loiro, óculos maior que o rosto, bolsa com alça dourada, e muita, muita maquiagem? Eis que ela entra empurrando um carrinho-chique-de- bebê, atravessando o jardim sobre olhares atônitos. Desfilava sua ignorância e falta de contato com a realidade. No carrinho-chique-de-bebê, o nenê era um cachorro. Isso mesmo, ela levou para o restaurante um cachorro em um carrinho de bebê, com caminha cor-de-rosa dentro e outros mimos para o "netinho".
É impressionante, mas tem gente que trata bicho como gente. Até melhor. E tem gente que vive numa ilha como essa senhora, cujo dinheiro em excesso reverte-se em excentricidades como essas. Coisa de quem literalmente não tem o que fazer. E leva uma vida medíocre sem se dar conta...
De vez em quando recebo e-mails de pessoas que protegem animais. Até aí tudo bem, a intenção é boa. O problema é que são mensagens desesperadas, do tipo "salvem esse neném". O neném não é um dos tantos que vivem nas ruas, em baixo de viadutos ou em casas de papelão. Não são esses nenéns que pertubam essas pessoas. São os cachorros de rua, que vão "virar sabão" e não os meninos de rua que talvez não passem nunca da infância...
Isso me faz lembrar aquela música do Eduardo Dusek: "troque seu cachorro por uma criança pobre".... É isso!

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Cegueira

Estava eu para uma compartilha de fim de ano na escola de minha filha de 7 anos. Em vez das tradicionais musiquinhas natalinas cantadas pelos pimpolhos com o intuito de levar os pais às lágrimas, me deparei com uma surpreendente apresentação, bem mais comovente. Um coral de meninos cegos, angolanos, que vieram ao Brasil há cinco anos para escapar da guerra e poder estudar. A alegria daqueles meninos é algo que desconheço. Uma alegria extraída de tanta adversidade. A música como forma de expressão, de contato com um mundo distante da pátria deles, um mundo novo, longe da família. Mundo que eles nunca viram, apenas sentem. Fiquei olhando para eles e pensando nessa vida estranha, com tantas realidades diferentes. Fiquei feliz por estar ali, por sentir aquela energia e entender que a vida vale apena. E quem é privado de algum sentido importante pode encontrar outro. Porque a vida não é um barco à deriva. Não para quem tem coragem de pegar o leme e encarar a tempestade. Cantores de Angola, esse é o nome do grupo.

sábado, dezembro 09, 2006

Mudança

Em seis anos mudamos cinco vezes de casa. Foram três cidades. Quase sempre no fim do ano, como agora. Lá estou eu revisando tudo o que a vista não alcança. Coisas guardadas em caixas. Roupas que não saem há tempos das araras ou gavetas. E principalmente: papéis. Muitos papéis. Entre o veredito "vai para o lixo ou não vai" vou sendo atacada por lembranças persistentes. Não quero pensar no passado. Gosto de olhar para a frente, sempre. Mas toda véspera de mudança é assim, não tem jeito. As lembranças saltam das caixas a cada objeto fuçado. Fotografias perdidas, agendas antigas, cartas e tantas outras coisas que reavivam a memória. Sempre "reencontro" pessoas, gente que saiu da minha vida. Mas que ainda poderia estar nela, não fosse a distância. E vou percebendo como algumas coisas são circunstanciais. Algumas amizades permanecem, outras não resistem às mudanças. Não apenas físicas. Mas às mudanças da própria vida impõe em seu curso. Algumas eu gostaria de rever, outras não.
Quando a gente muda, dá vontade de ter pouca coisa. Dá vontade de desapegar-se. Ficar mais leve. É difícil saber o limite entre aquilo que realmente não precisamos e aquilo, que mesmo sem precisar, nos dão certo conforto emocional.
Uma poltrona, por exemplo, não é apenas uma poltrona gasta. É a poltrona onde amamentei a Bia.
Eu já me desfiz de muita coisa e tenho medo de ser negligente com minha história. Eu gostaria de ter desenhos, agendas de escolas, poesias que eu escrevia quando criança. Não sobrou nada para contar minha história de criança, um brinquedo sequer. Por isso, estou guardando os desenhos e a história escolar de minha filha...
Já me desfiz de muita coisa...a maioria dos meus discos em vinil, doei muita coisa que ainda gostaria de guardar, como livros e roupinhas de bebê porque achava que eles deveriam melhor utilidade do que alimentar os meus vínculos emocionais.
Enfim, mudar é bom, mas também é um árduo exercício de reencontrar o passado e livrar-se dele...