segunda-feira, julho 31, 2006

Menina do Lago Igapó

Londrina (Arrigo Barnabé)

Nuvens vermelhas no céu
Na terra silêncio, uma ave voava
O rádio anunciava a ave-maria
E dava uma saudade
Uma tristeza estranha
Uma vontade de chorar
Uma vontade de chorarAi, ai…
E a noite descia tranqüila
E a noite envolvia Londrina
Olha quanta luz no céu
Olha um avião voando sozinho
Sobre o perobal
E a sanfona tocava uma valsa triste
E a cabocla de flor nos cabelos
Cantava pra lua.

Fui embora de Londrina há cinco anos. Triste. Em Maringá também fui feliz. Depois em Curitiba. Não pensei mais na UEL, no Valentino, no Zerão, no Ouro Verde, no Moringão, no Lago Igapó. Lembranças docemente apagadas. E agora, a primeira coisa que lembrei foi a música do Arrigo, na voz da Tetê Espíndola. E as poucos sinto Londrina renascendo em mim. Lembro daquele show do Itamar Assunção na Concha Acústica. Lembro da menina chegando aos 17 anos na rodoviária fria, projeto desfigurado do Oscar Nyemeyer. Lembro da arquitetura de Artigas. Da rodoviária antiga que hoje é museu. Da vitamina com pastel da rua Sergipe. Do suco da rodoviária nova. Do arroz de puta do Toninho. Do macarrão do Valentino. Do sashimi do Madalena. Da casinha na Raja Gabaglia. Da Uel onde conheci o Marcelo, onde me formei. Do igreja na rua Maringá onde me casei. Do Hospital Evangélico onde a Bia nasceu. Do JL lá na Higienópolis. Da picanha do Casarão. Do peixe na telha do Espanhol. Do Rodeio perto do centro. Do Gato que Ri. Da batidinha do baiano. Do calçadão. Do DCE perto do Bar Brasil. E não pararia de lembrar. Porque vivi uma vida lá. E vou pensando nos amigos que quero abraçar. E vou percebendo que nunca deixei de amar Londrina...

domingo, julho 30, 2006

Que cachorrada

Sentei para escrever meus contos, mas o cachorro do vizinho afugenta minhas palavras. Tento me concentrar. Mas o orelhudo por trás do muro não deixa. Está furioso porque os donos saíram. E como os donos não param em casa, o cão está sempre a reclamar. Late sem parar. Dia após dia. Embaixo da minha janela. A única coisa que ele consegue é me irritar. Fica ele irado de um lado e eu do outro. Incapaz de escrever uma só linha que preste. Pra desabafar estou aqui, teclando sobre ele. Um dia dei bronca. Não adiantou. Outro conversei com ele, com voz doce. Vai que era carência, um pouquinho de atenção resolveria...Que nada. Desisto de escrever meus contos. Esse dedinho de prosa aqui no blog tudo bem, é pensamento vazando para os dedos depois para as telas. Mas conto não dá....

Quinta-feira, na oficina literária, o José Castello disse que o escritor tem aquele momento de suspensão. Aquela busca, aquela procura por algo que já está dentro dele, mas ele ainda não encontrou. Falou de um amigo que costuma andar pela sala, horas a fio, até encontrar sobre o que escrever.

Estava eu aqui, no meu momento suspensão. Sabe quando você sente necessidade?. Acha que está inspirada? Mas o Petruchio – acreditem, esse é o nome do cachorro do vizinho – resolveu que era dia dele soltar o verb0.

sexta-feira, julho 28, 2006

Português

Quanto mais aprendo inglês – neste momento estou suando num intensivo noturno – mais admiro o português. Não que eu não goste daquele idioma. Simpatizo com sua objetividade. Mas sou brasileira. Gosto de cumprimentar as pessoas com beijos, abraços. Na Inglaterra, ouvi dizer, esse não é um bom costume. Por isso gosto do português. Nele encontro palavras para expressar todos os sentimentos que me habitam, os maus e os bons. Os medíocres. Os intensos. O português permite a um escritor – mesmo os pretensos como eu - infinitas possibilidades. Comunicar-se com poucas palavras é desafiador, admito. Tem lá seu charme. Por isso, também gosto do inglês. Mas gosto mais do português.

Dias atrás perguntamos ao professor de inglês, casado com uma professora de inglês, como eles se comunicam em casa: “em inglês”, respondeu. Mas na hora de brigar, ele disse, os palavrões vêm em português mesmo. Explicou que ao lidar com o emocional a língua mãe prevalece.

Pra mim ela vai prevalecer, sempre. Daí minha dificuldade em conseguir fluência em inglês. É difícil não pensar em português já que para mim pensar e sentir são quase a mesma coisa...

Sapatos

Dizem que as mulheres são compulsivas por sapatos. Pura verdade. Ao menos, a maioria. As saudáveis. Digo isso sem medo de parecer consumista. Não sou. Não saio comprando pares aos montes. E acho um desperdício quem o faz. Mas confesso que admiro um pé bem calçado. Mais do que um corpo bem vestido. Conheci uma mulher na casa dos 40 que ainda usa mocacins (nem sei se é assim que se escreve) e pior: com meias grossas. Não sei direito porque, mas não gosto disso. Aqueles sapatinhos com meias grossas me incomodam. Podia ser um tênis, Uma havaiana. Mas mocacim com meião não...

mal amada

Não há ninguém pior do que a mulher mal amada. Carrancuda. Mal vestida. Arrogante. Impaciente. Impiedosa. E feia.
Conheço algumas.
Haja habilidade para lidar com elas.
Não podem ver um sujeito alegre, leve, como se diz em inglês: easygoing...aquele cara que não estressa e pronto, pegam pra Cristo o pobre rapaz. Para elas o mundo é cinza e ai de quem não os enxerga assim. Outro alvo das mal amadas são as mulheres felizes. Aquelas que se arrumam para seus homens, o que não pode ferir mais a alma de uma mal amada – que usa o feminismo como escudo de uma frustração.
Afinal, enquanto uma mal amada revira-se na cama e noites solitárias a outra, a feliz, dorme rendida pelo prazer. Se não fez amor, dormiu abraçada. E mesmo se brigou, dormiu bunda a bunda, e sabe que a reconciliação se dará na cama mesmo.
E não confundo aqui a mal amada com a solitária por opção.
A mal amada pode até ser casada. Não importa. Ela é infeliz por natureza. O marido que não percebeu isso antes do casamento, certamente deixou de amá-la logo depois. Porque esse é o destino delas. Não ser amada.

terça-feira, julho 18, 2006

vida monástica

Chegamos ao mosteiro sem nada saber sobre aquele tipo de vida. Um lugar lindo. Daqueles que nos convidam à contemplação. Lá tudo é silêncio. Só se ouve a natureza. E os visitantes, como nós. O jardim é tão bem cuidado que é impossível não pensar nele como a imagem do paraíso. O céu bem que poderia ser assim. Mas pra todos os efeitos, os monges tratam de cultivar aqui na terra o seu pedaço de Éden. Foi o que entendi.

Entramos na capela, rústica, paredes de pedra, chão de pedra. Arredondada, mas com quatro cantos por onde entra luz. Nós, os visitantes, entramos por uma porta e nos ajeitamos nas poucas cadeiras disponíveis para os que são de fora. Cinco horas e quinze minutos, pontualmente, hora em que o dia começa a se despedir, os monges começam a entrar por outra porta, do lado oposto ao que estamos sentados. Vêm encapuzados. Em poucos minutos a imagem assustadora – culpa do Dan Brown – se desfaz. Eles têm o semblante sereno, a maioria é bem jovem.

Dividem-se. Cada metade senta em um lado da capela, nas cadeiras especiais. Ao meio fica um espaço onde alternadamente, um pequeno grupo junta-se ao monge que conduz as orações, a cada novo cântico. Todas as orações são cantadas, em canto gregoriano, para nossa alegria traduzidos. É tudo muito emocionante.

Terminado o ritual, os monges apagam as velas e as luzes. Ficamos no mais absoluto silêncio dentro da capela. Tempo de meditar, de rezar, de refletir. Tempo de voltar-se apenas para o próprio interior, sem nenhuma interferência interna.

O celular de um casal toca atrás de nós. A mulher não sabe como desligar o aparelho e dá até para ouvir o sujeito na outra linha: Alô, alô, Manuel!. É um constrangimento muito pior do que o de um celular no meio de uma peça de teatro. O casal atrapalhado não suporta tanto silêncio. Estavam ali tão desavisados quanto nós. A diferença é que nós decidimos – mesmo sem combinar – manter o nosso espírito aberto àquela experiência.

Saímos de lá em alfa, em paz, em êxtase. E com uma felicidade tão plena, tão simples. Nada de euforia. Um sentimento semelhante ao amor.

Sinais

Não sou propriamente uma pessoa mística. Mas às vezes tudo parece misteriosamente interligado. Como se houvesse sinais a nos apontar caminhos. Como se pudéssemos ou não, pelo livre arbítrio que temos, escutá-los ou ignorá-los. Dias atrás senti-me impelida a abrir o e-mail com notícias de uma entidade – mensagens estas que recebo com freqüência mas raramente leio. No meio das notinhas, uma me chamou a atenção. Falava de um mosteiro. Pesquisei e descobri o endereço. Ficava perto da Lapa, cidade que eu pretendia visitar no fim de semana.

Antes de abrir o tal e-mail eu estava justamente a refletir sobre o sentido da vida, a morte, a fé. Eu estava pedindo respostas.

Alguns dias depois lá estava eu, no mosteiro, encontrando não as respostas para o que existe além da vida, mas algo muito mais revelador: o sentido dessa vida. Não é algo que se possa descrever. Porque é algo que se experimenta. E isso depende do desejo íntimo de cada pessoa. E percebi claramente o quanto a gente precisa de silêncio para chegar a um estado mais profundo de reflexão, de comunhão com Deus (qualquer que seja a sua crença...).

Pequenos prazeres

Eu sempre tive mais capacidade de ser feliz com as coisas simples do que com as grandiosas. Essas últimas talvez me assustem. As alegrias cotidianas dão ao alimento que minha alma precisa. Quanto mais simples o prazer, mais eu tenho capacidade de desfrutá-lo. Neste fim de semana, um dos raros sem a nossa filha, eu e meu amor estivemos numa cidadezinha aqui perto, uns 60 quilômetros, a Lapa. E como nos divertimos passeando pelas ruas de pedra a imaginar o cerco – a batalha que se travou ali no fim de século XIX. No teatro São João, onde consta que o imperador Dom Pedro II assistiu a uma peça, fingimos-nos de monarcas no camarote real. Adoramos a comida dos tropeiros. O garçom desajeitado. O Panteon dos Heroes que sabe lá porque é grafado desse jeito...A gruta do monge, lugar em que provavelmente um ermitão habitou e hoje o povo lhe atribui uma santidade, depositando lá fotografias, roupas, placas com nomes de quem teria recebido uma cura. E o que dizer da festa junina lapeana e sua fogueira a chispar faíscas para todos os lados, a simpática senhora da pastoral carcerária que vende vasos de papel confeccionado pelos presos da cidade...

Duas crianças a se divertir. E o que tínhamos de cenário? Uma cidade com uma praça e igreja matriz no centro. Um calorzinho humano que nos fez um bem danado...

Às vezes, Clarice....

“Às vezes, quando eu vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho algum tempo para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina pela sua auto-acusação: ao nela me encarnar, compreendo-lhe os motivos e perdôo. Preciso é presta atenção para não encarnar numa vida perigosa e atraente, e que por isso mesmo não queira o retorno a mim mesmo” . Trecho do conto Intrusão Involuntária, do livro Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector.

Nesse momento estou encarnada em Clarice Lispector. Não tenho culpa se desde pequena, quando devoro um livro muito prazeroso, os personagens passam a existir em mim. Subtraem minha personalidade para que eu possa sentir como eles, respirar como eles, amar como eles, sofrer como eles. Fui Polyana lá pelos 8 anos: fingia uma felicidade impossível, uma alegria forjada na tristeza. Na raiva. Nas decepções. Devia ter uns 12 quando virei Clarrisa, a professorinha romântica da trilogia de Érico Veríssimo – Clarrisa, Música ao Longe, Saga - a sonhar com o primo Vasco, criatura incompreendida. Fui também as fulaninhas de Nélson Rodrigues quando descobri A Vida Como Ela É....

E agora, sou Clarice. E isso nada tem a ver com a minha pretensão literária o que certamente soaria como uma pretensão de minha parte. É que estou lendo o livro A Descoberta do Mundo, coletânea de crônicas que ela escreveu para o Jornal do Brasil de 1967 a 1973. E como ela é a principal personagem, não tenho outra alternativa senão nela me encarnar...Sinto sua solidão, sua angústia, sua paixão, sua insegurança, seu medo. Não como sentimentos exteriores. Não como observadora. Sinto-os em mim. Impregnados. Se esta tela fosse um espelho eu veria o rosto dela, e não o meu.

Eis ao que ler a biografia de Clarice no site Releituras (quem não conhece deve acessar correndo porque é muito interessante) e encontro a explicação para essa encarnação em Clarice: “segundo estudos feitos por Claire Varin, professora de literatura canadense ( ela escreveu dois livros sobre Clarice) só é possível ler Clarice tomando seu lugar — sendo Clarice. "Não há outro caminho", ela garante. Para corroborar sua tese, Claire cita um trecho da crônica A descoberta do mundo (olha ele aí, o meu livro de cabeceira...), onde a escritora diz: "O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor."

Isso quer dizer que eu não sou única Clarice por aí....Nesse mesmo instante, algum estudante, professor, jornalista, escritor, curioso deve estar engavetando sua personalidade para que a Clarice continue existindo....

Na crônica As Três Experiências, Clarice fala que há três coisas para as quais nasceu: “nasci para amar os outros, nasci para escrever e nasci para criar meus filhos”. Bingo. Nasci para essas coisas também! Eis, de novo, a Clarice encarnada em mim....E no final do texto ela diz o seguinte: “Se é verdade que existe uma reencarnação, a vida que eu levo agora não é propriamente minha: uma alma me foi dada ao corpo. Eu quero renascer sempre. E na próxima encarnação vou ler meus livros como uma leitora comum e interessada, e não saberei que nessa encarnação fui eu que os escrevi”.

Faço as contas: Clarice morreu em 1977. Mas eu nasci em 1972.

Não, infelizmente não posso ser a Clarice....