domingo, dezembro 17, 2006

Mundo a parte

Estávamos num agradável restaurante com mesas no jardim, à sombra de árvores, quando ela apareceu. Sabe uma típia perua na faixa dos 60? Topete loiro, óculos maior que o rosto, bolsa com alça dourada, e muita, muita maquiagem? Eis que ela entra empurrando um carrinho-chique-de- bebê, atravessando o jardim sobre olhares atônitos. Desfilava sua ignorância e falta de contato com a realidade. No carrinho-chique-de-bebê, o nenê era um cachorro. Isso mesmo, ela levou para o restaurante um cachorro em um carrinho de bebê, com caminha cor-de-rosa dentro e outros mimos para o "netinho".
É impressionante, mas tem gente que trata bicho como gente. Até melhor. E tem gente que vive numa ilha como essa senhora, cujo dinheiro em excesso reverte-se em excentricidades como essas. Coisa de quem literalmente não tem o que fazer. E leva uma vida medíocre sem se dar conta...
De vez em quando recebo e-mails de pessoas que protegem animais. Até aí tudo bem, a intenção é boa. O problema é que são mensagens desesperadas, do tipo "salvem esse neném". O neném não é um dos tantos que vivem nas ruas, em baixo de viadutos ou em casas de papelão. Não são esses nenéns que pertubam essas pessoas. São os cachorros de rua, que vão "virar sabão" e não os meninos de rua que talvez não passem nunca da infância...
Isso me faz lembrar aquela música do Eduardo Dusek: "troque seu cachorro por uma criança pobre".... É isso!

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Cegueira

Estava eu para uma compartilha de fim de ano na escola de minha filha de 7 anos. Em vez das tradicionais musiquinhas natalinas cantadas pelos pimpolhos com o intuito de levar os pais às lágrimas, me deparei com uma surpreendente apresentação, bem mais comovente. Um coral de meninos cegos, angolanos, que vieram ao Brasil há cinco anos para escapar da guerra e poder estudar. A alegria daqueles meninos é algo que desconheço. Uma alegria extraída de tanta adversidade. A música como forma de expressão, de contato com um mundo distante da pátria deles, um mundo novo, longe da família. Mundo que eles nunca viram, apenas sentem. Fiquei olhando para eles e pensando nessa vida estranha, com tantas realidades diferentes. Fiquei feliz por estar ali, por sentir aquela energia e entender que a vida vale apena. E quem é privado de algum sentido importante pode encontrar outro. Porque a vida não é um barco à deriva. Não para quem tem coragem de pegar o leme e encarar a tempestade. Cantores de Angola, esse é o nome do grupo.

sábado, dezembro 09, 2006

Mudança

Em seis anos mudamos cinco vezes de casa. Foram três cidades. Quase sempre no fim do ano, como agora. Lá estou eu revisando tudo o que a vista não alcança. Coisas guardadas em caixas. Roupas que não saem há tempos das araras ou gavetas. E principalmente: papéis. Muitos papéis. Entre o veredito "vai para o lixo ou não vai" vou sendo atacada por lembranças persistentes. Não quero pensar no passado. Gosto de olhar para a frente, sempre. Mas toda véspera de mudança é assim, não tem jeito. As lembranças saltam das caixas a cada objeto fuçado. Fotografias perdidas, agendas antigas, cartas e tantas outras coisas que reavivam a memória. Sempre "reencontro" pessoas, gente que saiu da minha vida. Mas que ainda poderia estar nela, não fosse a distância. E vou percebendo como algumas coisas são circunstanciais. Algumas amizades permanecem, outras não resistem às mudanças. Não apenas físicas. Mas às mudanças da própria vida impõe em seu curso. Algumas eu gostaria de rever, outras não.
Quando a gente muda, dá vontade de ter pouca coisa. Dá vontade de desapegar-se. Ficar mais leve. É difícil saber o limite entre aquilo que realmente não precisamos e aquilo, que mesmo sem precisar, nos dão certo conforto emocional.
Uma poltrona, por exemplo, não é apenas uma poltrona gasta. É a poltrona onde amamentei a Bia.
Eu já me desfiz de muita coisa e tenho medo de ser negligente com minha história. Eu gostaria de ter desenhos, agendas de escolas, poesias que eu escrevia quando criança. Não sobrou nada para contar minha história de criança, um brinquedo sequer. Por isso, estou guardando os desenhos e a história escolar de minha filha...
Já me desfiz de muita coisa...a maioria dos meus discos em vinil, doei muita coisa que ainda gostaria de guardar, como livros e roupinhas de bebê porque achava que eles deveriam melhor utilidade do que alimentar os meus vínculos emocionais.
Enfim, mudar é bom, mas também é um árduo exercício de reencontrar o passado e livrar-se dele...

quarta-feira, outubro 18, 2006

Mãe zelosa

Bem cedo o grupo de mãe se despedia dos filhos – duas turmas da primeira série – que saíam para um passeio numa cidade vizinha. As crianças passariam o dia fora. Estavam eufóricas. Do lado de fora, enquanto o ônibus não partia, uma mãe puxava assunto: “bem que a gente poderia ir junto” “pior vai ser quando eles casarem”. O pobre só tem 7 anos e a mulher já sofre. Coitada da nora. Já vi esse filme. Minha sogra tem 5 filhos, homens. Nenhuma nora é boa suficiente para ela...mas isso já é outra história. E a mulher, não contente, ainda fez várias recomendações à professora.

Acabo de ler o livro Dois Irmãos, do Milton Hatoum. E o que mais me marcou no livro foi a personagem Zana, mãe dos gêmeos. Ela elegeu um dos filhos como o preferido. Fez tudo por ele, num jogo emocional que aprisiona, impede uma criança de desenvolver o seu emocional, romper os laços com a mãe para crescer, viver. Tudo, em nome desse amor, ela fez para manter o filho por perto. Um sentimento destruidor. Não só esse filho, como o outro, e a filha, e o marido, o neto – todos os destinos foram profundamente alterados por esse excesso.

Acho, sinceramente, que nada pode ser pior para uma criança do que uma mãe zelosa. Meu conceito de boa mãe exclui as muito cuidadosas. Acho que filho precisa de espaço para experimentar, para se desenvolver, pra fazer a transição necessária, para matar a mãe e poder crescer. Acho que foi Freud quem disse isso. Quando minha filha me questiona, me critica, faço meu papel de mãe, mas no íntimo fico orgulhosa. E admiro sua coragem, sua auto-confiança e fico feliz, porque reconheço um dedo meu nessa personalidade independente e segura.

Conheço vários exemplos do estrago de uma mãe zelosa. Um jovem com problemas em relação a sua sexualidade, uma que tornou-se obesa porque a mãe, desde que ela era bebê, delira que a menina come pouco e a entope de comida...entre outros.

Se tem alguém que pode causar um estrago na vida de um filho é a mãe. E creio que tão danoso quanto a ausência materna é o excesso.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Rugas

“Não acredito em quem nunca foi de esquerda e nem em quem continua sendo”. A frase é do Bussunda. Li há um bom tempo. Li quando ainda havia, ao menos aparentemente, uma distinção clara entre esquerda e direita. Eu devia estar na faculdade. E achava muito estranho, tinha preconceito, confesso, quando me deparava com um estudante assumidamente de direita. As pessoas legais, descoladas, cultas, despojadas, solidárias e divertidas eram de esquerda. Levamos para o DCE (Diretório Central do Estudantes) essa racha. Do outro lado estavam os conservadores, os chatos.

Jovens costumam ser idealistas, inocentes. Querem transformar o mundo. São solidários. Românticos. Só a esquerda permitia cultivar essa utopia.

Mas o tempo passa. A vida endurece. Perde a leveza. A crença na imortalidade acaba. Coisas bem mais “práticas” dominam a pauta. Trabalho, casamento, filhos. Sobrevivência. É o fim da ilusão.

Tenho lido blogs de amigos, ex militantes do movimento estudantil, ex-eleitores de carteirinha do PT e afins, defenderem veementemente o anti-lulismo. Tão apaixonadamente como nos tempos em que eram cabos eleitorais do presidente.

Não acho que foram os dólares na cueca e outros escândalos que provocaram essa mudança. Acho que ela aconteceria de qualquer jeito, tão naturalmente e certeira quanto os fios brancos e as rugas.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Santa missa

Eu nunca acreditei, eu só não sabia que padres também não: "Adão e Eva são apenas uma parábola", disse um, em plena missa. Criticou a interpretação literal da Bíblia. Lembrou que ela foi escrita num tempo em que mulheres eram objetos de seus maridos. Objetos jogados fora, quando não houvesse mais serventia. Outro dia esse mesmo padre - nas entrelinhas que eu li em seu discurso - admitiu a teoria da evolução. E criticou o clero que ostenta o poder - o atual papa inclusive. E disse que as pessoas têm todo o direito de casar novamente. E que muitos casais, mesmo não tendo se casado na igreja, são mais abençoados por Deus do que outros que cumpriram direitinho o ritual católico. Porque Deus, segundo esse padre, não se submente ao clero. E falou recomendou o abraço, o afeto através do toque, como um poderoso remédio. E disse tantas outras coisas legais que eu, que sempre flertei mas nunca conseguir me fixar em igreja alguma por causa do preconceito, da arrogância católica, voltei no segundo domingo, e depois no outro e no outro. E minha filha de 7 anos, que sempre achou a missa um troço chato, também está curtindo. Fico perguntando até quando ele terá voz.

Droga de cada dia

Ela esfrega sua miséria na cara dos bem nascidos. Arrasta-se suja pelas ruas, desdentada. Babando, literalmente. Xinga quem não lhe dá ouvidos, os que negam umas moedas para alimentar seu vício. Não deve ter famílias. Um barraco, um teto de papelão que seja. Um lugar para onde voltar depois da mendicância diária. Deve dormir na rua. Como tantos os que se ajeitam embaixo das marquises na Avenida Sete de Setembro. Nas frias madrugadas de Curitiba. Gente embaixo de jornais. De ralos cobertores. Gente ao relento. Um dia aqui, outro ali. Andarilhos desgarrados. Expatriados na própria pátria. Serão enterrados como indigentes. Ninguém se lembrará deles. Ninguém sequer os enxerga agora. Mas ela não. Ela não se faz invisível. Ela arreganha sua boca bangela e sua baba. Vocifera contra os que lhe dão as costas. Despeja sua raiva. Sua indignação. Ganha menos moedas dos que os outros, aqueles que poderiam-estar-roubando-mas-estão-pedindo (ou trabalhando)-no-semáforo. Ou ainda aqueles que distribuem amarelados papéizinhos resumindo sua miséria. Aqueles que trazem bebezinhos no colo para sensibilizar - ou culpar - os sortudos. Ela não. Já não espera piedade alheia. Simplesmente exige o que julga ter direito: uns trocados para comprar a droga de cada dia.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Insensibilidade

Nos semáfaros das grandes cidades todo o tipo de pedintes se aglomera diante dos veículos. Deficientes, desempregados, crianças, viciados, doentes. Em poucos segundos resumem suas tragédias para os motoristas. Ontem me abordou uma portadora de HIV com uma poesia na mão. Hoje um paraplégico. Forte, o sujeito tem pinta de quem pratica algum esporte. De vez em quando eu os vejo nesse mesmo cruzamento, são três ou quatro, com uma bola na mão. Pois hoje, quando um deles se aproximou, eu automaticamente estendi uma nota de um real. O cara ficou meio sem fala. Deve ter me achado grosseira, ou coisa assim. Crei que ele tinha um discurso pronto, queria não apenas pedir, mas ser ouvido. Eu abreviei o encotro. Estendi logo o dinheiro. Quis ser prática. Supus que que ele preferiria, pois teria tempo para se dirigir a outro motorista, aproveitando o mesmo sinal vermelho. Na hora, vi nos seus olhos uma certa frustração. Mas o cara engatou um discurso as avessas: me chamou de bonita, educada e disse vários elogios. Eu fiquei ali, sem graça, sorrindo, torcendo pelo verde redentor.
Por medo, desconcerto, a gente perde a sensibilidade. Outro dia cara me intimidou. Bateu olho no meu anel e ficou dizendo coisas do tipo "que anel lindo", "o maridão tá podendo" etc etc etc.
Mas hoje eu me senti muito mal dando aquela nota de um real. Talvez um sorriso sincero teria tido mais valia para o sujeito. Detesto falta de sensibilidade. Sobretudo a minha.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Hora marcada

Por quê o nome do serralheiro estava errado e o sujeito foi impedido de embarcar no avião da Gol? Para muita gente, apenas coincidência. Mas para muito mais gente ainda, tem um dedo divino nessa história. É impossível não ficar arrepiado diante de uma história dessa. É impossível não pensar no mistério que é a vida. O que faz 155 pessoas se juntarem no mesmo vôo da morte? Eu estudei como uma moça que morreu no acidente da TAM, há 10 anos. A Flávia, como eu, tinha acabado se formar. Estava noiva. Acabara de assumir um emprego bem bacana. Foi daquele momento em diante que eu senti a fragilidade da vida. Poderia ter sido comigo. Poderia ter sido com qualquer pessoa. Mas é melhor eu nem prosseguir. Quando destampo esse assunto tenebroso, a morte, meus temores se misturam à tristeza e sobretudo a impotência. Porque nada do que eu faça irá impedir que as pessoas que eu amo morram. Que eu morra. Mas será que a morte tem hora marcada? Foi por isso que o serralheiro escapou?????

A pessoa é para o que nasce

Esse é nome do documentário - sem o ponto de interrogação - sobre as três irmãs cegas e cantoras. Nordestinas, pobres e cegas. Encontraram na música motivação para viver. Sobrevivem de esmolas. Cantam nas ruas. Moeda aqui, outra ali, vão ganhando o pão. "Atirei no mar, o mar vazou. Atirei na moreninha, baleei o meu amor". A voz afinada das três não me sai da cabeça. Nem a história, que virou filme. No meio da absoluta miséria, as três sofreram as agruras de milhões de brasileiros: fome, abandono, violência. E aprederam, sozinhas, a viver da arte. Não é incrível? Resignada, a mais velha repete: a pessoa é para o que nasce. Será mesmo? No caso delas, elas nasceram para ser cegas ou para serem cantoras? Se elas nada puderam fazer quanto a visão, por outro lado, foram muito mais longe do que o destino parecia ter lhes reservado. Sim, a pessoa é para o que nasce. Mas isso, definitivamente, não é obra do acaso.

Ausência

Ando um tanto afastada. Pouco escrevi neste espaço nos últimos tempos. Culpa do projeto para uma tese de mestrado. Corro contra o tempo. Não sei se terei meu tema aprovado. Estou mergulhada em pesquisas, descobrindo um universo muito interessante. Não é descaso com o blog. É falta de tempo. Mês que vem, findo o prazo de inscrição, prometo solenemente a mim mesma voltar aos meus rascunhos.

domingo, setembro 17, 2006

Os sentidos

Olho para o lado e ela está com os olhos fechados. Pura sensibilidade infantil. Eu, do contrário, tenho os olhos grudados nos três violinos e no violoncelo. Fito o quarteto em detalhes. Vejo as caretas, os trejeitos dos músicos e vou registrando tudo em meu cérebro. Ela, do contrário, apenas sente. Eu tento racionalizar, que novidade! Ela se entrega! Crianças sempre nos ensinam. É só olhar para elas... Hoje, naquele concerto, aprendi que há muitas maneiras de sentir. E que os olhos podem ocultar a força dos outros sentidos.

sexta-feira, agosto 25, 2006

tec tec tec tec

UFA!

Respirei. Que delícia...
O que mais almejo quando tenho tempo é continuar tendo tempo...por isso ele passa...passa...e ando devagar...aproveitando minutos que se perdem inutilmente. Sou um lagarto no sol teclando. Uma “xicrona” de café do lado. E me sinto mansamente feliz. Ainda tenho sono. Mas não importa. Eu hoje só quero sentir a beleza de estar viva.

++++++++++
Tec tec tec
Tenho do meu lado um espelhinho de mesa. Ele está virado para as minhas mãos. Acho uma imagem bonita.Dedos teclando. Outro dia senti saudade das máquinas de escrever. Como era mágico aquele teclar duro, imprimindo pensamento no papel. Não era rápido como hoje. Os pensamentos não vazavam pelos dedos porque não podíamos errar. Senão lá ia para o lixo mais uma lauda. E tínhamos que recomeçar tudo de novo...
Como fui tola por não prever que as máquinas de escrever sumiriam do mercado...Por que não guardei a minha? Sinto saudade. Como seria hoje escrever, ou melhor, datilografar um conto? Achei romântico. Queria ter de volta um máquina de escrever...

++++++++++++++++
½....

Estou naquele momento em que regime é quase uma impossibilidade física. Como não devorar um chocolate ou pão de queijo no meio do furacão? Antes, bastava um, dois dias de boca fechada e pronto: a cinturinha voltava. Hoje não. Para perder os excessos teria que fazer uma séria dieta, com caminhadas e exercícios diários. E é engraçado como a gente cria mecanismos para se enganar. Eu vivo pegado primeiro uma metadinha: metadinha de pão, de doce, de orelha de gato (que aqui chamam de vira cueca, um nome esquisitão como esse, não sei) – só pra depois pegar a outra metadinha também, e mais outra, mais outra. Outro dia vi minha amiga fazendo o mesmo...Mulheres são todas iguais?

Orquestra

Gostei da metáfora ontem no curso do Castello: sou um músico ou maestro? Bem que tento reger minha vida, minha paixão pelo texto, mas acho que ainda sou um músico iniciante...Não acho isso ruim não. Porque quanto mais aprendo, mais quero aprender e mais sinto que tenho aprender. E não é conversa não. Humildade disfarçada. É constatação. E prazerosa. Porque saí de um estado morno para uma vibrante jornada de conhecimento. E isso é tudo muito fascinante. Reconheço sim o tamanho de minha ignorância e isso não me entristece, pelo contrário, me motiva. Ao mesmo tempo também reconheço o tamanho de minha determinação. É um bom caminho, o melhor que já segui.

domingo, agosto 20, 2006

Mister Sun

Hoje o dia era daqueles que eu mais gosto. Um lindo sol. Um vento frio. Ah, como fico feliz!!! Mas não pude desfrutar completamente. Não fui ao parque. Não lagarteei. Mas trabalhei. Com o sol nas costas. Fazendo força para enxergar a tela. Não tenho muito o que dizer. Porque escrevi duas mátérias e dois contos. Minha veia literária se foi...

Ontem a noite peguei um DVD infantil. Uma animação francesa chamada Príncipes e Princesas. São várias estórias. Nada de grandes recursos. Elas são contadas através de sombras. É MUITO INTERESSANTE. Mostra às crianças como surge uma estória: os redatores, discutindo personsagens, enredo, pesquisando. Eles próprios são transportados para o filme. E as estórias, cheias de lirismo, encantadoras. Vale apena assistir. Sejam crianças pequenas ou adultas......

sexta-feira, agosto 18, 2006

O incêndio

Não sei porque lembrei de um incêndio que teve num escritório ao lado da minha casa. Eu tinha uns cinco, seis anos. Minha casa ficava nos fundos de uma pastelaria. Um corredor lateral levava para o imenso quintal com figueira, limoeiro, abacateiro, roseira e as árvores e flores de minha infância. Um monte de curiosos invadiu nosso quintal. A platéia ficou ali, admirando o fogo. Eu estava apavorada. Temia que o fogo pegasse carona nos fios de eletricidade para chegar a minha casa. Felizmente nada de grave aconteceu. Mas no meio daquele monte de intrusos tive que suportar uma menina bricando em meu balanço. Eu disse que era dona da casa, que aquela balanço era meu (ou será que não disse? que fiquei só em pensamento?). A menina não saiu. Eu fiquei ali, morrendo de ciúmes, olhando uma estranha se apossar do meu balanço de ripas coloridas. Acho que era vermelho, amarelo e verde. Ou será que tinha azul também?

O banheiro

O banheiro fica numa casa bem atinga, transformada em QG de um grupo especial de jornalistas. Pouca coisa mudou na casa. E o banheiro resiste como um cômodo de museu. Dizem que a antiga proprietário morreu ali. Não sei. Os azulejos são azuis, azul piscina ou azul calcinha, não sei como se diz. E tudo é azul. O piso, com uns enfeitezinhos, a privada, a pia, o bidê, a banheira de pezinho e uma peça que eu não consegui identificar: seria uma mini-banheira, um lavatório para pés ou nada disso? E o chuveiro é cercado por uma barras metélicas arredondadas. Não sei para que servem. Nunca tinha visto nada igual. Nem em museu. Dizem que era para esguichar águas pelos lados. Mas não vi nenhuma torneira ou oríficio para essa finalidade. Lembrei da casa do Santos Dumont, em Petrópolis, onde ele criou uma engenhoca para poder tomar banho (naquela época não tinha chuveiro elétrico). Era um mecanismo manual que acionava um balde e a água então jorrava pelo seu corpo.
Pois nessa casa de jornalistas o banheiro resiste. Penso que já foi muito chique. Minha amiga disse que era chamado "sala de banho". Nada a ver com esses cúbilos atuais onde mal cabem a privada e o box. O bidê foi substituído pela duchas higiênicas. E é tudo muito "clean". Os azulejos coloridos ou decorados caíram em desuso. São mesmo como peças de museus. Mas curiosamente eu fiquei feliz em entrar num banheiro assim. Penso que frequentá-lo é um acontecimento.

Vou ver se arrumo uma máquina e ponho aqui uma foto.

Chuva

Resisto a fazer um diário neste blog. Acho uma exposição tola: a quem interessaria o que faço o deixo de fazer???? Se bem que escrever crônicas, contos, ensaios (ou seja lá que nome for) pode expor muito mais o autor...mas isso é outra conversa. Tampouco acho que seja proveitoso desabafar nesse espaço. Ao menos intencionalmente. Pois é certo que em tudo o que se escreve há intenções, mesmo que ocultar para o próprio autor.

Hoje chove. E chove muito. E isso me entristece. Fico deprimida nos dias cinzentos. Com chuva tudo fica ainda mais triste...Dá vontade de voltar para cama e dormir o dia inteiro. Só acordar amanhã, com a esperança de um belo sol bantendo na janela do quarto...

terça-feira, agosto 15, 2006

Tempo

Seu eu pudesse escolher um momento para o tempo seria agora. Curtiria eternamente as coisas como estão. Especialmente as pessoas, como elas são agora. Os 7 anos da Bia repletos de descobertas. Os três anos do Miguel tão cheios de graça. Meus pais, ainda tão jovens, curtindo a vida lá naquele pedacinho de paraiso. Meus irmãos, mais irmãos do que foram em outras fases, uma parte de mim. Meus amigos, todos por aí...boas notícias vez por outra. Meu amor, esse ainda mais meu companheiro do que nunca. E eu, nunca tão minha quanto agora. Nunca tão mergulhada em meu mundo interior como agora. Seria isso a felicidade? Penso que sim. Queria poder dormir e acordar com as coisas como estão agora. Não tenho mais ansiedade por nada. Tenho tudo o que preciso. As pessoas que me são vitais estão vivas. Não quero outra coisa da visa senão desfrutar essa mansidão, enquanto encontro dentro de mim a matéria prima para fazer o que mais gosto nessa vida: escrever. Se pudesse, não teria dúvida: pararia já o tempo...

segunda-feira, agosto 14, 2006

Langanha

Outro dia li que um artista famoso come miojo com pão. Meu marido só é famoso aqui em casa e como pizza com pão. Minha mãe como laranja com sal. Já vi gente comer margarina com açúcar. E tem quem põe banana em tudo. Minha filha aprendeu com o avô a comer feijão com macarrão. E por falar no meu pai, quando éramos crianças, ele nos alimentava com uma receita exclusivíssima batizada de “langanha”. Era esse o nome que o “Narça” deu para sua preciosa iguaria: uma mistura de tudo o que tinha na geladeira: arroz, feijão, macarrão, ovo. Às vezes pintava mais algum ingrediente na mistura. E comíamos, nos fartávamos, os três. Adorávamos. Mas aí a gente cresce, fica, digamos, mais refinado. E acha estranho quando a filha se delicia com uma langanha dessas...

Não

Não quero fazer desse espaço um diário feminista, coisa que eu sequer sou. Ou uma adaptação da coluna Sex And the City, aquela da série americana. Mas hoje meu deu uma baita vontade de escrever sobre a dificuldade das mulheres em dizer NÃO. Conheço dezenas de histórias. Vejo-as cedendo das mais variadas formas, em casa, no trabalho, na rua. Para pais, maridos, filhos, chefes, namorados...Como se fosse uma sublime vocação feminina a eterna submissão ao desejo alheio. Sei que não estou falando novidade alguma, que isso vem sendo dito há anos, mas a consciência dessa realidade parece não ser suficiente para convencer nós, mulheres, a mandar às favas essa sina. Muitas entre nós, simplesmente, não conseguem dizer “não estou afim de transar” (sem usar desculpas como dor de cabeça), usando apenas de franqueza; ou dizer a um filho que não está com vontade de lhe preparar aquele lanchinho porque está com preguiça (isso mesmo, mulher-mãe-dona-de-casa-profissional também tem preguiça!) e sugerir que ele pegue um iogurte na geladeira; ou ainda dizer ao colega, ao chefe, que dispensa gracinhas, insinuações ou cantadas (mesmo as sutis) porque é uma profissional e não está interessada em outra coisa senão trabalhar...E por aí vai, a lista seria interminável. Em vez disso, transam sem vontade, trocam o momento lagartixa no sofá pela sentinela sempre disponível aos filhos e fingem-se de bobas, driblando as segundas intenções no ambiente de trabalho.

Desde que eu me entendo por mulher – e era ainda bem menina quando percebi isso – vejo mulheres a minha volta fazendo todo tipo de concessão. Em maior ou menor escala. E curioso que o oposto disso é uma dureza, uma frieza igualmente inaceitável. Algumas mulheres, por horror à submissão, tornam-se inflexíveis, arrogantes, insensíveis e ferem profundamente a essência feminina. Ficam escravas no NÃO.

Mulheres não devem agir como homens. Acho apenas que elas devem aprender a dizer NÃO, sempre que tiverem vontade, sempre que for necessário. Apenas isso.

domingo, agosto 13, 2006

Alienação

Um amigo meu, fanático por televisão, quando solteiro tinha dois aparelhos na sala, um na cozinha, outro no quarto. Eu achava aquilo um exagero, mas para ele estar permanentemente conectado à telinha era vital. Não preciso dizer que o cara é jornalista e trabalha em tv...

Eu não cheguei a esse estágio, mas já assinei dois jornais, aquela famosa revista semanal, e não perdia os principais telejornais – locais e nacionais. E também zapeava pelos noticiários da tv a cabo. Isso sem contar a tal revista eletrônica de domingo, aquela que se você não assiste fica com ar de desinformado nos bate-papos da segundona braba...

Eu devorava essa quantidade absurda de informação por dia porque achava que era meu dever não só de ofício, mas de cidadã. Acontece que de uns tempos para cá tudo isso começou a me parecer demasiadamente masoquista e inútil.

Não quero mais sofrer com as guerras que não posso impedir. Com a corrupção que já corroeu minha última esperança na classe política. Com a menina calculista que matou os pais. Com a violência que não tem fim porque tem origem nos problemas sociais.

Notícias, hoje, só as que de fato interessem a minha vida. O resto, passo batido. Economizo tempo para os livros, pesquisas, música e outros pequenos prazeres. Não quero mais viver, ou melhor, sofrer essa angústia impingida ao homem moderno pelo bombardeio de informações.

Cada vez mais entendo e prezo o silêncio. Seria isso alienação? Estou convencida que não...

sexta-feira, agosto 04, 2006

Silêncio

Nos próximos dias vou estar em silêncio. Será minha primeira experiência radical. Não lerei jornais. Não verei tv. Não navegarei na internet. Mas estarei num lugar lindo. Terei a natureza. Terei meu amor. E o que mais terei? Ainda não sei. Terei a mim, é o que mais espero. Quero ter um grande econtro comigo.
Volto daqui a uma semana.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Sobre escrever

"Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a sim mesmo: morreria se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: Sou forçado a escrever? Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar aquela pergunta severa por um forte e simples ´sou´, então construa sua vida de acordo com essa necessidade" Rainer Maria Rilke, do livro Cartas a um Jovem Poeta.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Linguiças

No caminho da escola de minha filha, hora em que muita gente ainda está almoçando, vejo pedreiros assando umas linguiças na calçada. Em frente a obra onde erguem uma bela casa. Está frio, a fogueira que prepara a comida aquece o grupo. Fico feliz eles porque eles não vão comer marmitas frias. As vezes queria ter coragem, ou ser mais livre, não sei bem ao certo. Queria sentar na calçada com eles, conversar, comer linguiças - eu poderia trazer o pão porque adoro pão. Do que será que poderíamos conversar? De futebol? Bom, isso seria um problema. Sou corinthiana e meu time anda lá embaixo. Em Curitiba talvez fosse Atlético, mas nunca nem vi o time jogar. Se a gente fosse falar de política eu diria que pela primeira vez na vida votaria nulo. paAinda mais depois que fiquei sabendo que se a maioria da população votar nulo haverá nova eleição, com novos candidatos. Muito melhor do que protesto de caras pintadas...Poderíamos falar de filhos, de família, de Deus, de música. Não gosto de sertanejo. Mas gosto de quem gosta de sertanejo, porque música, por pior que seja a letra, é sempre uma maneira de alegrar a vida. E fico imaginando meus amigos pedreiros dançando um Zezé Di Camargo colado nas mulheres. E acho tudo muito bonito. Como essas linguiças na calçada.

segunda-feira, julho 31, 2006

Menina do Lago Igapó

Londrina (Arrigo Barnabé)

Nuvens vermelhas no céu
Na terra silêncio, uma ave voava
O rádio anunciava a ave-maria
E dava uma saudade
Uma tristeza estranha
Uma vontade de chorar
Uma vontade de chorarAi, ai…
E a noite descia tranqüila
E a noite envolvia Londrina
Olha quanta luz no céu
Olha um avião voando sozinho
Sobre o perobal
E a sanfona tocava uma valsa triste
E a cabocla de flor nos cabelos
Cantava pra lua.

Fui embora de Londrina há cinco anos. Triste. Em Maringá também fui feliz. Depois em Curitiba. Não pensei mais na UEL, no Valentino, no Zerão, no Ouro Verde, no Moringão, no Lago Igapó. Lembranças docemente apagadas. E agora, a primeira coisa que lembrei foi a música do Arrigo, na voz da Tetê Espíndola. E as poucos sinto Londrina renascendo em mim. Lembro daquele show do Itamar Assunção na Concha Acústica. Lembro da menina chegando aos 17 anos na rodoviária fria, projeto desfigurado do Oscar Nyemeyer. Lembro da arquitetura de Artigas. Da rodoviária antiga que hoje é museu. Da vitamina com pastel da rua Sergipe. Do suco da rodoviária nova. Do arroz de puta do Toninho. Do macarrão do Valentino. Do sashimi do Madalena. Da casinha na Raja Gabaglia. Da Uel onde conheci o Marcelo, onde me formei. Do igreja na rua Maringá onde me casei. Do Hospital Evangélico onde a Bia nasceu. Do JL lá na Higienópolis. Da picanha do Casarão. Do peixe na telha do Espanhol. Do Rodeio perto do centro. Do Gato que Ri. Da batidinha do baiano. Do calçadão. Do DCE perto do Bar Brasil. E não pararia de lembrar. Porque vivi uma vida lá. E vou pensando nos amigos que quero abraçar. E vou percebendo que nunca deixei de amar Londrina...

domingo, julho 30, 2006

Que cachorrada

Sentei para escrever meus contos, mas o cachorro do vizinho afugenta minhas palavras. Tento me concentrar. Mas o orelhudo por trás do muro não deixa. Está furioso porque os donos saíram. E como os donos não param em casa, o cão está sempre a reclamar. Late sem parar. Dia após dia. Embaixo da minha janela. A única coisa que ele consegue é me irritar. Fica ele irado de um lado e eu do outro. Incapaz de escrever uma só linha que preste. Pra desabafar estou aqui, teclando sobre ele. Um dia dei bronca. Não adiantou. Outro conversei com ele, com voz doce. Vai que era carência, um pouquinho de atenção resolveria...Que nada. Desisto de escrever meus contos. Esse dedinho de prosa aqui no blog tudo bem, é pensamento vazando para os dedos depois para as telas. Mas conto não dá....

Quinta-feira, na oficina literária, o José Castello disse que o escritor tem aquele momento de suspensão. Aquela busca, aquela procura por algo que já está dentro dele, mas ele ainda não encontrou. Falou de um amigo que costuma andar pela sala, horas a fio, até encontrar sobre o que escrever.

Estava eu aqui, no meu momento suspensão. Sabe quando você sente necessidade?. Acha que está inspirada? Mas o Petruchio – acreditem, esse é o nome do cachorro do vizinho – resolveu que era dia dele soltar o verb0.

sexta-feira, julho 28, 2006

Português

Quanto mais aprendo inglês – neste momento estou suando num intensivo noturno – mais admiro o português. Não que eu não goste daquele idioma. Simpatizo com sua objetividade. Mas sou brasileira. Gosto de cumprimentar as pessoas com beijos, abraços. Na Inglaterra, ouvi dizer, esse não é um bom costume. Por isso gosto do português. Nele encontro palavras para expressar todos os sentimentos que me habitam, os maus e os bons. Os medíocres. Os intensos. O português permite a um escritor – mesmo os pretensos como eu - infinitas possibilidades. Comunicar-se com poucas palavras é desafiador, admito. Tem lá seu charme. Por isso, também gosto do inglês. Mas gosto mais do português.

Dias atrás perguntamos ao professor de inglês, casado com uma professora de inglês, como eles se comunicam em casa: “em inglês”, respondeu. Mas na hora de brigar, ele disse, os palavrões vêm em português mesmo. Explicou que ao lidar com o emocional a língua mãe prevalece.

Pra mim ela vai prevalecer, sempre. Daí minha dificuldade em conseguir fluência em inglês. É difícil não pensar em português já que para mim pensar e sentir são quase a mesma coisa...

Sapatos

Dizem que as mulheres são compulsivas por sapatos. Pura verdade. Ao menos, a maioria. As saudáveis. Digo isso sem medo de parecer consumista. Não sou. Não saio comprando pares aos montes. E acho um desperdício quem o faz. Mas confesso que admiro um pé bem calçado. Mais do que um corpo bem vestido. Conheci uma mulher na casa dos 40 que ainda usa mocacins (nem sei se é assim que se escreve) e pior: com meias grossas. Não sei direito porque, mas não gosto disso. Aqueles sapatinhos com meias grossas me incomodam. Podia ser um tênis, Uma havaiana. Mas mocacim com meião não...

mal amada

Não há ninguém pior do que a mulher mal amada. Carrancuda. Mal vestida. Arrogante. Impaciente. Impiedosa. E feia.
Conheço algumas.
Haja habilidade para lidar com elas.
Não podem ver um sujeito alegre, leve, como se diz em inglês: easygoing...aquele cara que não estressa e pronto, pegam pra Cristo o pobre rapaz. Para elas o mundo é cinza e ai de quem não os enxerga assim. Outro alvo das mal amadas são as mulheres felizes. Aquelas que se arrumam para seus homens, o que não pode ferir mais a alma de uma mal amada – que usa o feminismo como escudo de uma frustração.
Afinal, enquanto uma mal amada revira-se na cama e noites solitárias a outra, a feliz, dorme rendida pelo prazer. Se não fez amor, dormiu abraçada. E mesmo se brigou, dormiu bunda a bunda, e sabe que a reconciliação se dará na cama mesmo.
E não confundo aqui a mal amada com a solitária por opção.
A mal amada pode até ser casada. Não importa. Ela é infeliz por natureza. O marido que não percebeu isso antes do casamento, certamente deixou de amá-la logo depois. Porque esse é o destino delas. Não ser amada.

terça-feira, julho 18, 2006

vida monástica

Chegamos ao mosteiro sem nada saber sobre aquele tipo de vida. Um lugar lindo. Daqueles que nos convidam à contemplação. Lá tudo é silêncio. Só se ouve a natureza. E os visitantes, como nós. O jardim é tão bem cuidado que é impossível não pensar nele como a imagem do paraíso. O céu bem que poderia ser assim. Mas pra todos os efeitos, os monges tratam de cultivar aqui na terra o seu pedaço de Éden. Foi o que entendi.

Entramos na capela, rústica, paredes de pedra, chão de pedra. Arredondada, mas com quatro cantos por onde entra luz. Nós, os visitantes, entramos por uma porta e nos ajeitamos nas poucas cadeiras disponíveis para os que são de fora. Cinco horas e quinze minutos, pontualmente, hora em que o dia começa a se despedir, os monges começam a entrar por outra porta, do lado oposto ao que estamos sentados. Vêm encapuzados. Em poucos minutos a imagem assustadora – culpa do Dan Brown – se desfaz. Eles têm o semblante sereno, a maioria é bem jovem.

Dividem-se. Cada metade senta em um lado da capela, nas cadeiras especiais. Ao meio fica um espaço onde alternadamente, um pequeno grupo junta-se ao monge que conduz as orações, a cada novo cântico. Todas as orações são cantadas, em canto gregoriano, para nossa alegria traduzidos. É tudo muito emocionante.

Terminado o ritual, os monges apagam as velas e as luzes. Ficamos no mais absoluto silêncio dentro da capela. Tempo de meditar, de rezar, de refletir. Tempo de voltar-se apenas para o próprio interior, sem nenhuma interferência interna.

O celular de um casal toca atrás de nós. A mulher não sabe como desligar o aparelho e dá até para ouvir o sujeito na outra linha: Alô, alô, Manuel!. É um constrangimento muito pior do que o de um celular no meio de uma peça de teatro. O casal atrapalhado não suporta tanto silêncio. Estavam ali tão desavisados quanto nós. A diferença é que nós decidimos – mesmo sem combinar – manter o nosso espírito aberto àquela experiência.

Saímos de lá em alfa, em paz, em êxtase. E com uma felicidade tão plena, tão simples. Nada de euforia. Um sentimento semelhante ao amor.

Sinais

Não sou propriamente uma pessoa mística. Mas às vezes tudo parece misteriosamente interligado. Como se houvesse sinais a nos apontar caminhos. Como se pudéssemos ou não, pelo livre arbítrio que temos, escutá-los ou ignorá-los. Dias atrás senti-me impelida a abrir o e-mail com notícias de uma entidade – mensagens estas que recebo com freqüência mas raramente leio. No meio das notinhas, uma me chamou a atenção. Falava de um mosteiro. Pesquisei e descobri o endereço. Ficava perto da Lapa, cidade que eu pretendia visitar no fim de semana.

Antes de abrir o tal e-mail eu estava justamente a refletir sobre o sentido da vida, a morte, a fé. Eu estava pedindo respostas.

Alguns dias depois lá estava eu, no mosteiro, encontrando não as respostas para o que existe além da vida, mas algo muito mais revelador: o sentido dessa vida. Não é algo que se possa descrever. Porque é algo que se experimenta. E isso depende do desejo íntimo de cada pessoa. E percebi claramente o quanto a gente precisa de silêncio para chegar a um estado mais profundo de reflexão, de comunhão com Deus (qualquer que seja a sua crença...).

Pequenos prazeres

Eu sempre tive mais capacidade de ser feliz com as coisas simples do que com as grandiosas. Essas últimas talvez me assustem. As alegrias cotidianas dão ao alimento que minha alma precisa. Quanto mais simples o prazer, mais eu tenho capacidade de desfrutá-lo. Neste fim de semana, um dos raros sem a nossa filha, eu e meu amor estivemos numa cidadezinha aqui perto, uns 60 quilômetros, a Lapa. E como nos divertimos passeando pelas ruas de pedra a imaginar o cerco – a batalha que se travou ali no fim de século XIX. No teatro São João, onde consta que o imperador Dom Pedro II assistiu a uma peça, fingimos-nos de monarcas no camarote real. Adoramos a comida dos tropeiros. O garçom desajeitado. O Panteon dos Heroes que sabe lá porque é grafado desse jeito...A gruta do monge, lugar em que provavelmente um ermitão habitou e hoje o povo lhe atribui uma santidade, depositando lá fotografias, roupas, placas com nomes de quem teria recebido uma cura. E o que dizer da festa junina lapeana e sua fogueira a chispar faíscas para todos os lados, a simpática senhora da pastoral carcerária que vende vasos de papel confeccionado pelos presos da cidade...

Duas crianças a se divertir. E o que tínhamos de cenário? Uma cidade com uma praça e igreja matriz no centro. Um calorzinho humano que nos fez um bem danado...

Às vezes, Clarice....

“Às vezes, quando eu vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho algum tempo para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina pela sua auto-acusação: ao nela me encarnar, compreendo-lhe os motivos e perdôo. Preciso é presta atenção para não encarnar numa vida perigosa e atraente, e que por isso mesmo não queira o retorno a mim mesmo” . Trecho do conto Intrusão Involuntária, do livro Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector.

Nesse momento estou encarnada em Clarice Lispector. Não tenho culpa se desde pequena, quando devoro um livro muito prazeroso, os personagens passam a existir em mim. Subtraem minha personalidade para que eu possa sentir como eles, respirar como eles, amar como eles, sofrer como eles. Fui Polyana lá pelos 8 anos: fingia uma felicidade impossível, uma alegria forjada na tristeza. Na raiva. Nas decepções. Devia ter uns 12 quando virei Clarrisa, a professorinha romântica da trilogia de Érico Veríssimo – Clarrisa, Música ao Longe, Saga - a sonhar com o primo Vasco, criatura incompreendida. Fui também as fulaninhas de Nélson Rodrigues quando descobri A Vida Como Ela É....

E agora, sou Clarice. E isso nada tem a ver com a minha pretensão literária o que certamente soaria como uma pretensão de minha parte. É que estou lendo o livro A Descoberta do Mundo, coletânea de crônicas que ela escreveu para o Jornal do Brasil de 1967 a 1973. E como ela é a principal personagem, não tenho outra alternativa senão nela me encarnar...Sinto sua solidão, sua angústia, sua paixão, sua insegurança, seu medo. Não como sentimentos exteriores. Não como observadora. Sinto-os em mim. Impregnados. Se esta tela fosse um espelho eu veria o rosto dela, e não o meu.

Eis ao que ler a biografia de Clarice no site Releituras (quem não conhece deve acessar correndo porque é muito interessante) e encontro a explicação para essa encarnação em Clarice: “segundo estudos feitos por Claire Varin, professora de literatura canadense ( ela escreveu dois livros sobre Clarice) só é possível ler Clarice tomando seu lugar — sendo Clarice. "Não há outro caminho", ela garante. Para corroborar sua tese, Claire cita um trecho da crônica A descoberta do mundo (olha ele aí, o meu livro de cabeceira...), onde a escritora diz: "O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor."

Isso quer dizer que eu não sou única Clarice por aí....Nesse mesmo instante, algum estudante, professor, jornalista, escritor, curioso deve estar engavetando sua personalidade para que a Clarice continue existindo....

Na crônica As Três Experiências, Clarice fala que há três coisas para as quais nasceu: “nasci para amar os outros, nasci para escrever e nasci para criar meus filhos”. Bingo. Nasci para essas coisas também! Eis, de novo, a Clarice encarnada em mim....E no final do texto ela diz o seguinte: “Se é verdade que existe uma reencarnação, a vida que eu levo agora não é propriamente minha: uma alma me foi dada ao corpo. Eu quero renascer sempre. E na próxima encarnação vou ler meus livros como uma leitora comum e interessada, e não saberei que nessa encarnação fui eu que os escrevi”.

Faço as contas: Clarice morreu em 1977. Mas eu nasci em 1972.

Não, infelizmente não posso ser a Clarice....