quarta-feira, outubro 18, 2006

Mãe zelosa

Bem cedo o grupo de mãe se despedia dos filhos – duas turmas da primeira série – que saíam para um passeio numa cidade vizinha. As crianças passariam o dia fora. Estavam eufóricas. Do lado de fora, enquanto o ônibus não partia, uma mãe puxava assunto: “bem que a gente poderia ir junto” “pior vai ser quando eles casarem”. O pobre só tem 7 anos e a mulher já sofre. Coitada da nora. Já vi esse filme. Minha sogra tem 5 filhos, homens. Nenhuma nora é boa suficiente para ela...mas isso já é outra história. E a mulher, não contente, ainda fez várias recomendações à professora.

Acabo de ler o livro Dois Irmãos, do Milton Hatoum. E o que mais me marcou no livro foi a personagem Zana, mãe dos gêmeos. Ela elegeu um dos filhos como o preferido. Fez tudo por ele, num jogo emocional que aprisiona, impede uma criança de desenvolver o seu emocional, romper os laços com a mãe para crescer, viver. Tudo, em nome desse amor, ela fez para manter o filho por perto. Um sentimento destruidor. Não só esse filho, como o outro, e a filha, e o marido, o neto – todos os destinos foram profundamente alterados por esse excesso.

Acho, sinceramente, que nada pode ser pior para uma criança do que uma mãe zelosa. Meu conceito de boa mãe exclui as muito cuidadosas. Acho que filho precisa de espaço para experimentar, para se desenvolver, pra fazer a transição necessária, para matar a mãe e poder crescer. Acho que foi Freud quem disse isso. Quando minha filha me questiona, me critica, faço meu papel de mãe, mas no íntimo fico orgulhosa. E admiro sua coragem, sua auto-confiança e fico feliz, porque reconheço um dedo meu nessa personalidade independente e segura.

Conheço vários exemplos do estrago de uma mãe zelosa. Um jovem com problemas em relação a sua sexualidade, uma que tornou-se obesa porque a mãe, desde que ela era bebê, delira que a menina come pouco e a entope de comida...entre outros.

Se tem alguém que pode causar um estrago na vida de um filho é a mãe. E creio que tão danoso quanto a ausência materna é o excesso.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Rugas

“Não acredito em quem nunca foi de esquerda e nem em quem continua sendo”. A frase é do Bussunda. Li há um bom tempo. Li quando ainda havia, ao menos aparentemente, uma distinção clara entre esquerda e direita. Eu devia estar na faculdade. E achava muito estranho, tinha preconceito, confesso, quando me deparava com um estudante assumidamente de direita. As pessoas legais, descoladas, cultas, despojadas, solidárias e divertidas eram de esquerda. Levamos para o DCE (Diretório Central do Estudantes) essa racha. Do outro lado estavam os conservadores, os chatos.

Jovens costumam ser idealistas, inocentes. Querem transformar o mundo. São solidários. Românticos. Só a esquerda permitia cultivar essa utopia.

Mas o tempo passa. A vida endurece. Perde a leveza. A crença na imortalidade acaba. Coisas bem mais “práticas” dominam a pauta. Trabalho, casamento, filhos. Sobrevivência. É o fim da ilusão.

Tenho lido blogs de amigos, ex militantes do movimento estudantil, ex-eleitores de carteirinha do PT e afins, defenderem veementemente o anti-lulismo. Tão apaixonadamente como nos tempos em que eram cabos eleitorais do presidente.

Não acho que foram os dólares na cueca e outros escândalos que provocaram essa mudança. Acho que ela aconteceria de qualquer jeito, tão naturalmente e certeira quanto os fios brancos e as rugas.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Santa missa

Eu nunca acreditei, eu só não sabia que padres também não: "Adão e Eva são apenas uma parábola", disse um, em plena missa. Criticou a interpretação literal da Bíblia. Lembrou que ela foi escrita num tempo em que mulheres eram objetos de seus maridos. Objetos jogados fora, quando não houvesse mais serventia. Outro dia esse mesmo padre - nas entrelinhas que eu li em seu discurso - admitiu a teoria da evolução. E criticou o clero que ostenta o poder - o atual papa inclusive. E disse que as pessoas têm todo o direito de casar novamente. E que muitos casais, mesmo não tendo se casado na igreja, são mais abençoados por Deus do que outros que cumpriram direitinho o ritual católico. Porque Deus, segundo esse padre, não se submente ao clero. E falou recomendou o abraço, o afeto através do toque, como um poderoso remédio. E disse tantas outras coisas legais que eu, que sempre flertei mas nunca conseguir me fixar em igreja alguma por causa do preconceito, da arrogância católica, voltei no segundo domingo, e depois no outro e no outro. E minha filha de 7 anos, que sempre achou a missa um troço chato, também está curtindo. Fico perguntando até quando ele terá voz.

Droga de cada dia

Ela esfrega sua miséria na cara dos bem nascidos. Arrasta-se suja pelas ruas, desdentada. Babando, literalmente. Xinga quem não lhe dá ouvidos, os que negam umas moedas para alimentar seu vício. Não deve ter famílias. Um barraco, um teto de papelão que seja. Um lugar para onde voltar depois da mendicância diária. Deve dormir na rua. Como tantos os que se ajeitam embaixo das marquises na Avenida Sete de Setembro. Nas frias madrugadas de Curitiba. Gente embaixo de jornais. De ralos cobertores. Gente ao relento. Um dia aqui, outro ali. Andarilhos desgarrados. Expatriados na própria pátria. Serão enterrados como indigentes. Ninguém se lembrará deles. Ninguém sequer os enxerga agora. Mas ela não. Ela não se faz invisível. Ela arreganha sua boca bangela e sua baba. Vocifera contra os que lhe dão as costas. Despeja sua raiva. Sua indignação. Ganha menos moedas dos que os outros, aqueles que poderiam-estar-roubando-mas-estão-pedindo (ou trabalhando)-no-semáforo. Ou ainda aqueles que distribuem amarelados papéizinhos resumindo sua miséria. Aqueles que trazem bebezinhos no colo para sensibilizar - ou culpar - os sortudos. Ela não. Já não espera piedade alheia. Simplesmente exige o que julga ter direito: uns trocados para comprar a droga de cada dia.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Insensibilidade

Nos semáfaros das grandes cidades todo o tipo de pedintes se aglomera diante dos veículos. Deficientes, desempregados, crianças, viciados, doentes. Em poucos segundos resumem suas tragédias para os motoristas. Ontem me abordou uma portadora de HIV com uma poesia na mão. Hoje um paraplégico. Forte, o sujeito tem pinta de quem pratica algum esporte. De vez em quando eu os vejo nesse mesmo cruzamento, são três ou quatro, com uma bola na mão. Pois hoje, quando um deles se aproximou, eu automaticamente estendi uma nota de um real. O cara ficou meio sem fala. Deve ter me achado grosseira, ou coisa assim. Crei que ele tinha um discurso pronto, queria não apenas pedir, mas ser ouvido. Eu abreviei o encotro. Estendi logo o dinheiro. Quis ser prática. Supus que que ele preferiria, pois teria tempo para se dirigir a outro motorista, aproveitando o mesmo sinal vermelho. Na hora, vi nos seus olhos uma certa frustração. Mas o cara engatou um discurso as avessas: me chamou de bonita, educada e disse vários elogios. Eu fiquei ali, sem graça, sorrindo, torcendo pelo verde redentor.
Por medo, desconcerto, a gente perde a sensibilidade. Outro dia cara me intimidou. Bateu olho no meu anel e ficou dizendo coisas do tipo "que anel lindo", "o maridão tá podendo" etc etc etc.
Mas hoje eu me senti muito mal dando aquela nota de um real. Talvez um sorriso sincero teria tido mais valia para o sujeito. Detesto falta de sensibilidade. Sobretudo a minha.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Hora marcada

Por quê o nome do serralheiro estava errado e o sujeito foi impedido de embarcar no avião da Gol? Para muita gente, apenas coincidência. Mas para muito mais gente ainda, tem um dedo divino nessa história. É impossível não ficar arrepiado diante de uma história dessa. É impossível não pensar no mistério que é a vida. O que faz 155 pessoas se juntarem no mesmo vôo da morte? Eu estudei como uma moça que morreu no acidente da TAM, há 10 anos. A Flávia, como eu, tinha acabado se formar. Estava noiva. Acabara de assumir um emprego bem bacana. Foi daquele momento em diante que eu senti a fragilidade da vida. Poderia ter sido comigo. Poderia ter sido com qualquer pessoa. Mas é melhor eu nem prosseguir. Quando destampo esse assunto tenebroso, a morte, meus temores se misturam à tristeza e sobretudo a impotência. Porque nada do que eu faça irá impedir que as pessoas que eu amo morram. Que eu morra. Mas será que a morte tem hora marcada? Foi por isso que o serralheiro escapou?????

A pessoa é para o que nasce

Esse é nome do documentário - sem o ponto de interrogação - sobre as três irmãs cegas e cantoras. Nordestinas, pobres e cegas. Encontraram na música motivação para viver. Sobrevivem de esmolas. Cantam nas ruas. Moeda aqui, outra ali, vão ganhando o pão. "Atirei no mar, o mar vazou. Atirei na moreninha, baleei o meu amor". A voz afinada das três não me sai da cabeça. Nem a história, que virou filme. No meio da absoluta miséria, as três sofreram as agruras de milhões de brasileiros: fome, abandono, violência. E aprederam, sozinhas, a viver da arte. Não é incrível? Resignada, a mais velha repete: a pessoa é para o que nasce. Será mesmo? No caso delas, elas nasceram para ser cegas ou para serem cantoras? Se elas nada puderam fazer quanto a visão, por outro lado, foram muito mais longe do que o destino parecia ter lhes reservado. Sim, a pessoa é para o que nasce. Mas isso, definitivamente, não é obra do acaso.

Ausência

Ando um tanto afastada. Pouco escrevi neste espaço nos últimos tempos. Culpa do projeto para uma tese de mestrado. Corro contra o tempo. Não sei se terei meu tema aprovado. Estou mergulhada em pesquisas, descobrindo um universo muito interessante. Não é descaso com o blog. É falta de tempo. Mês que vem, findo o prazo de inscrição, prometo solenemente a mim mesma voltar aos meus rascunhos.